6 respostas sobre a pílula que promete curar o câncer
São Paulo – Um suposto medicamento milagroso está dando o que falar no Brasil. Um composto químico estudado por Gilberto Chierice, professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), passou a ser tratado recentemente como a “cura para o câncer”.
A fosfoetanolamina (nome da substância) tem despertado esperança de cura em pacientes e desconfiança em cientistas e médicos. O motivo disso é a falta de estudos clínicos apropriados.
Obrigada a produzir a substância por liminares emitidas pela justiça, a USP chegou a se manifestar sobre o assunto. “Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença”, escreveu a universidade em um comunicado.
O medicamento deixa muitas perguntas no ar. O que se sabe sobre a fosfoetanolamina? Quais são seus efeitos? Ele realmente pode curar o câncer?
Para sanar as dúvidas, EXAME.com conversou com especialistas sobre o assunto. Eles foram: Durvanei Augusto Maria, pesquisador do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan, que fez pesquisas com a fosfoetanolamina; Giovana Torrezan, doutora em oncologia pelo A.C. Camargo Cancer Center; e Roberto Ferreira, farmacêutico e bioquímico com doutorado em oncologia.
Veja as informações a seguir.
O que é a fosfoetanolamina?
É uma substância química produzida no organismo humano. Ela é indispensável para a vida humana. Dela se origina outra substância, a fosfatidiletanolamina, que está presente em todos os tecidos e órgãos humanos.
A fosfatidiletanolamina é responsável por normalizar o metabolismo oxidativo, que gera energia no corpo. Esse processo fica prejudicado em células cancerosas. Em teoria, a ingestão do medicamento faria com que as células voltassem a trabalhar normalmente. Com isso, o câncer pararia de se desenvolver.
A fosfoetanolamina (produzida em laboratório) apresentou em testes propriedades antitumorais em células (in vitro) e em animais portadores de tumores. Já a natural não apresenta essas propriedades—ela para de funcionar, mas os pesquisadores ainda não sabem os motivos disso.
Já foram feitos testes com fosfoetanolamina em células humanas?
Os testes foram feitos em células humanas em laboratório, porém não em pessoas. Segundo o pesquisador Durvanei Maria, foram estudadas linhas celulares de tumores, como melanoma, pâncreas, renais, leucemias, entre outros.
A fosfoetanolamina é eficaz contra o câncer?
O professor Durvanei Maria afirma que a fosfoetanolamina sintética inibiu a capacidade de multiplicação ou proliferação celular dos tumores. Isso foi feito a partir da morte celular programada– um efeito que pode ser visto, geralmente, na queda das folhas das árvores no outono.
Os resultados foram obtidos por Maria em todos os modelos estudados (células de camundongos, ratos ou em células humanas).
Qual é a diferença entre a pílula e outras medicações em desenvolvimento?
Segundo a doutora Giovana Torrezan, medicamentos contra o câncer que estão em desenvolvimento atualmente não são como a quimioterapia, que mata todas as células que se dividem no corpo humano. Esses medicamentos em desenvolvimento são chamados de “drogas alvos” e só alteram as células tumorais.
Já a pílula de fosfoetanolamina reativa a morte celular programada, estimula o sistema imune a eliminar a célula do tumor e pode impedir o desenvolvimento de vários outros tumores. “Mas ainda não se sabe quais seriam seus efeitos colaterais”, explica.
A fosfoetanolamina serviria como um substituto para outros tratamentos, como a quimioterapia?
As pesquisas comprovam que a fosfoetanolamina não altera as propriedades dos remédios usados durante a quimioterapia. Além disso, ela também é capaz de aumentar a probabilidade de sobrevida e diminuir significativamente os efeitos colaterais.
Assim, a fosfoetanolamina não serve como substituto da quimioterapia. Na realidade, a associação dos dois medicamentos e de outros tratamentos talvez possa ajudar no combate ao câncer.
Há riscos ao usar a pílula, já que ela não foi testada clinicamente?
De acordo com Roberto Ferreira, a substância já passou por ensaios pré-clínicos e apresentou bons resultados. No entanto, a cada etapa do processo de estudo de um potencial candidato a medicamento, muitas moléculas que eram promissoras são abandonadas por perda de atividade ou na avaliação de riscos e benefícios.
“A fosfoetanolamina já passou por duas importantes etapas, mas a história nos mostra que não há garantias que mantenha a atividade em humanos e que não haja riscos, ou interações importantes com outros medicamentos que o paciente esteja utilizando”, avisou Ferreira.