Anemia falciforme é reflexo de racismo
Pouca atenção a anemia falciforme é reflexo de racismo
Ainda desconhecida para a maioria da população, a doença falciforme é hereditária e atinge principalmente a população de origem negra. O Ministério da Saúde estima que, a cada ano, nasçam cerca de três mil crianças com a doença no Brasil. Ao discutir o assunto, em audiência realizada pelo Senado nesta quarta-feira (24), a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) defendeu a criação de um cadastro nacional que permita ações governamentais e acompanhamento médico mais adequados. Além disso, outros participantes afirmaram que a demora do governo em priorizar a questão nas últimas décadas foi reflexo do “racismo institucional”.
A doença falciforme afeta as hemoglobinas, proteínas que estão presentes nos glóbulos vermelhos do sangue. Ao serem afetadas, essas células perdem sua forma arredondada, assumindo um formato que lembra uma foice. A dor e a anemia estão entre os diversos sintomas da doença, que pode levar à morte. Embora incurável, a doença pode ter os seus sintomas tratados.
Coordenadora da Política de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde, a médica Joice Aragão de Jesus destacou que a enfermidade atinge uma parte da população que já é mais vulnerável, “mais pobre, que não tem acesso a uma série de serviços e com menor grau de escolaridade”, como o demonstram dados do IBGE e da Secretaria de Vigilância em Saúde. O estado com maior incidência é a Bahia, seguido de Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e Minas Gerais.
“É preciso uma campanha de conscientização para que as pessoas saibam que essa doença tem tratamento e que se pode conviver com ela”, acrescentou a atriz Zezé Motta, que já foi superintendente da Secretaria da Igualdade Racial do Estado do Rio de Janeiro.
De acordo com o Ministério da Saúde, a letalidade para crianças com a doença, até os cinco anos de idade, é de 80% quando não há tratamento algum e de 1,8% quando há o tratamento. Para reduzir esses números e propiciar mais qualidade de vida para quem tem a enfermidade, a senadora Lídice da Mata defende a criação de um cadastro nacional, já que os dados sobre a doença no país ainda são precários.
Teste do pezinho
Também foi apontada durante a audiência a importância da triagem neonatal – mais conhecida como teste do pezinho – para o diagnóstico precoce da enfermidade. Isso permite que a doença, apesar de incurável, seja tratada de forma adequada logo que a criança nasce, evitando uma série de problemas, inclusive a morte. Além disso, o teste do pezinho poderia ser utilizado para “alimentar” o cadastro nacional proposto na audiência.
Segundo Joice Aragão de Jesus, do Ministério da Saúde, 18 estados já oferecem gratuitamente o teste do pezinho para a doença falciforme, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Nos outros estados o teste gratuito existe, mas não inclui essa enfermidade entre as doenças diagnosticadas.
Joice observou que a doença falciforme não é suficientemente conhecida mesmo entre os profissionais do SUS e que só passou a ser pensada de forma mais estruturada pelo Ministério da Saúde a partir de 2004. Assim como outros participantes da reunião, ela disse que uma das principais dificuldades no tratamento da doença é a articulação com os gestores de saúde nos estados (o que inclui os secretários estaduais do setor).
Racismo institucional
Para Anhamona Silva de Brito, representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão vinculado à Presidência da República, o “racismo institucional” é uma das razões que explicam por que o governo demorou tanto a priorizar, em suas políticas públicas, uma doença que afeta parcela significativa da população. O mesmo argumento foi apresentado por Altair Lira, coordenador geral da Federação Nacional das Associações de Doenças Falciformes.
“É uma doença que foi descoberta há um século. E um século depois não se sabe exatamente o que é. Isso comprova o racismo institucional que há na saúde”, disse Altair, que é pai de uma menina portadora da doença.
Já Zezé Mota, ao lembrar de seus esforços para divulgar a questão na mídia, contou que chegou a contatar a produção de programas da Rede Globo como Fantástico, Globo Repórter e Mais Você (apresentado por Ana Maria Braga), sem sucesso. Segundo ela, “não houve vontade nem interesse”. Mas, após conversar com Miguel Falabella, o assunto foi abordado na telenovela Negócio da China (escrita por ele e transmitida pela Globo entre 2008 e 2009) e, em 2010, no programa Sem Censura, da TV Brasil. “A repercussão foi maravilhosa”, declarou a atriz e ex-superintendente da Secretaria da Igualdade Racial do Estado do Rio de Janeiro.
Solicitada pelos senadores Lídice da Mata, Paulo Paim (PT-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a audiência desta quarta-feira foi promovida pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Fonte: Agência Senado