Conselho de Saúde não quer ‘terceirização’ em hospitais
A possibilidade de ter instituições sem fins lucrativos no comando de hospitais públicos do DF — uma das propostas do governo local para resolver os problemas de gestão da área —gera revolta no Conselho de Saúde.O assunto surgiu na última reunião, há 15 dias, culminou em bate-boca e deixou um lastro de rejeição entre os conselheiros.
O modelo de gestão em que uma organização social assume a responsabilidade pelo controle das instituições funciona em Estados como Goiás e São Paulo. Em Brasília, o exemplo é o Hospital da Criança, gerido pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace). Em 2010, o Conselho de Saúde da época aprovou uma resolução autorizando a chamada “terceirização” da gestão também nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) do DF. Mas a atual composição da organização, que é formada por repre-sentantes da sociedade, como sindicatos, quer derrubar a norma. Foi a proposta de revogação que iniciou a briga da última reunião.
Presente no local, o secretário-adjunto de saúde do DF, Rubens Iglesias, se exaltou ao discutir o tema. O Metro teve acesso a um vídeo da reunião, que mostra Iglesias defendendo as organizações sociais — ele menciona o exemplo do Hospital de Apoio e diz que o governo ainda não se decidiu sobre o assunto, mas afirma que é preciso “parar de blasfêmia” e aceitar um modelo que pode funcionar no DF.
Segundo fontes ligadas ao governo, o projeto que está em elaboração contempla projetos-pilotos, que seriam feitos na UPA e no Hospital Regional de Ceilândia.
Guerra
Na visão dos integrantes do conselho, entregar a gestão dos hospitais a entidades sociais é transferir a responsabilidade e alternativas devem ser estudadas a fundo. Casos como o do Hospital de Santa Maria, que foi administrado pela Sociedade Real Espanhola por dois anos e teve o contrato contestado na Justiça por irregularidades, são citados como exemplos. “O modelo já foi experimentado no DF e não deu certo, por que daria agora?”, questiona Helvécio Ferreira da Silva, presidente do Conselho. “O Conselho não vai evitar a discussão, se for pautada, mas, na estrutura atual, a proposta não passa”.
“As últimas organizações que se instalaram em Brasília deram escandalosamente errado. Existem alternativas, como a reativação da antiga Fundação Hospitalar”, propõe Tiago Neiva, representante do Sindicato dos Médicos no conselho. Para Marli Rodrigues, presidente do Sindsaúde (Sindicato dos Empregados em Estabelecimento de Saúde do DF), falar em organização social no controle é “prostituir vários profissionais”. A sindicalista ainda cobra a contratação de 6 mil concursados.
A Secretaria de Saúde informou que o assunto ainda está sendo discutido pelo governo. Para o chefe da Casa Civil, Hélio Doyle, “não basta falar em terceirização para desqualificar uma ideia”. Sobre as posições contrárias à proposta, Doyle foge do assunto: “Vamos ver quando ela for apresentada”.
Modelo é bom, mas requer muito cuidado
Para o professor de administração pública da UnB (Universidade de Brasília) José Matias Pereira, as organizações sociais têm dado resultados interessantes na área da saúde em
lugares como São Paulo. O especialista, contudo, alerta para o cuidado que deve ser tomado na hora de escolher as entidades. “Eu tenho uma visão positiva sobre a questão, mas desde que as organizações tenham capacidade de atuar e fornecer os serviços públicos ofertados.
É uma outorga de responsabilidade, e é preciso checar se a entidade tem transparência e uma série de requisitos básicos”, afirma. Sobre o caso desastroso em Santa Maria, o professor afirma que “não é por isso que se deve virar às costas” ao modelo.