A Medida Provisória nº 664 e a Saúde dos Trabalhadores
Toda a classe trabalhadora brasileira foi surpreendida pela decisão do Governo Federal em editar, em pleno momento de festas de ano novo e final de mandato, a Medida Provisória (MP) nº 664, de 30/12/2014, que trata de mudanças nas leis nº 8213/91, nº 10876/04, nº 8112/90 e nº 10666/03, que regulamentam os direitos da Seguridade Social, previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.
E quais as implicações que a MP 664 traz para todos os trabalhadores, da esfera pública e privada, no curto espaço de tempo?
No curto prazo, com a intenção do Governo Federal em economizar R$ 18 bilhões, as alterações nas regras atuais de acesso ao auxílio doença ferem direitos históricos da classe trabalhadora, sobretudo, na hora de maior necessidade do trabalhador, quando vitimado por um acidente do trabalho ou adoecimento, quando busca junto à Previdência Social um benefício para suprir as suas necessidades básicas, a recuperação de sua saúde, passando por um completo processo de reabilitação profissional exclusivamente público e garantias de retorno ao trabalho em condições dignas e de respeito a sua saúde.
Aparentemente, a MP 664 busca um efeito imediato de “reequilíbrio” das finanças públicas, diminuindo os gastos públicos por um lado, e por outro reduzindo direitos dos trabalhadores.
Porém, é preciso ir além.
Ao editar a MP 664, o governo comprometeu seriamente a Política Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho, política regulamentada pelo Decreto Federal nº 7602, de 07 de novembro de 2011, pois, além de não apresentar qualquer demanda nos espaços institucionais de discussão e deliberação da Política Nacional, as medidas transferem ainda maiores poderes ao setor patronal no que se referem à saúde do trabalhador, quando permite a perícia médica dentro das empresas (hoje uma atribuição pública do Estado), a realização de exames médicos sob o controle da empresa, o empregado sob o controle do empregador por 30 dias até ser encaminhado para a Previdência Social (antes eram 15 dias).
A edição da MP 664 ataca diretamente a PNSST e a enfraquece sobremaneira retirando direitos históricos da classe trabalhadora, ferindo um direito humano fundamental, que é o direito à saúde, direito que se mostra imprescindível à dignidade da pessoa e de sua existência.
Desta forma, a edição da MP 664 muda regras fundamentais para a concessão de auxílio doença aos trabalhadores, como segue:
– Fragiliza mais a saúde dos trabalhadores, ao transferir para o âmbito da empresa privada a realização de perícia médica, hoje uma atribuição pública do INSS;
– Muda a forma de cálculo do auxílio doença, considerando apenas a média aritmética simples dos últimos 12 salários de contribuição, ocasionando a redução dos vencimentos do trabalhador quando necessita de um afastamento do trabalho para tratar da saúde;
– Afeta, de forma contundente, a pensão por morte, cortando 50% do valor do benefício e impondo regras que ferem a Constituição Federal, os direitos humanos e, sobretudo, o amparo à velhice de milhares de mulheres e homens;
– Aumenta de 15 para 30 dias o período de afastamento do trabalhador que deve ser custeado pelas empresas.
A mudança de 15 para 30 dias contribui, decisivamente, para a diminuição dos registros de acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho – agora as empresas têm 30 dias para controlar, pressionar e “procurar resolver”, tudo de forma privada e clandestina, os problemas de saúde de seus empregados. Trinta dias sob a “guarda” do empregador é tempo suficiente para ocultar os registros de acidentes do trabalho, uma vez que o trabalhador não será encaminhado para a Previdência Social e sim demitido sumariamente, aliás, uma “opção” mais fácil, cômoda e econômica para o setor patronal.
Permitir a privatização das perícias médicas, principalmente às perícias acidentárias que objetiva a investigação da relação do nexo de causalidade com o trabalho, é um grande erro e acarretará grandes perdas aos trabalhadores e a própria Previdência Social.
Os trabalhadores perdem, pois sabemos que a Medicina do Trabalho, da forma como está, instrumentalizada pelo capital, por interesses de grupos corporativos, não atende as necessidades dos trabalhadores, não caminha no sentido da prevenção das doenças e acidentes do trabalho e encontra-se extremamente burocratizada e cartorial, cumprindo “tabela” com instrumentos ultrapassados e anacrônicos, a exemplo do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), entre outras normas regulamentadoras. O mesmo empregador que adoece, acidenta e mata não deve ter o direito de atestar as suas próprias condições de trabalho. Isso deve ser atribuição legal e intransferível do Estado, do poder público.
Por sua vez, a Previdência Social perde também, pois a MP 664 alarga ainda mais o caminho para a subnotificação das doenças e acidentes relacionados ao trabalho, quando transfere para as mãos do setor patronal atribuições que são exclusivas do poder público. Com a queda dos registros de acidente e doenças relacionadas ao trabalho, a Previdência Social fica impossibilitada de cobrar políticas de prevenção e de promoção da saúde, as ações regressivas vão diminuir e haverá impactos desfavoráveis no Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
A MP 664 também abre um grande espaço para a redução do salário integral do trabalhador que necessita se afastar do trabalho para tratamento de sua saúde. A mudança de cálculo do auxílio doença tem esse propósito e penaliza o trabalhador duplamente, ao perder a sua saúde e também ao perder parte de seu rendimento mensal. Isso contribuirá ainda mais para o presenteísmo, fenômeno que tem caracterizado o mundo do trabalho na atualidade.
Por fim, temos plenas convicções de que a situação atual da saúde dos trabalhadores no Brasil passa por momentos difíceis e decisivos. O que antes já era um cenário desfavorável aos trabalhadores, agora com a edição da MP 664, fica ainda mais grave.
Os trabalhadores brasileiros convivem com condições de trabalho extremamente desfavoráveis à sua saúde, condições desumanas e degradantes. Somente as estatísticas oficiais apontam para mais de 700 mil ocorrências de acidentes do trabalho e mais de 3 mil mortes a cada ano. Ainda convivemos no Brasil com um entrave político, que é a delegação total da saúde do trabalhador aos preceitos do empregador.
Urgentemente temos que resgatar e seguir o lema do Modelo Operário Italiano (MOI), que diz: “a saúde não se vende, nem se delega, se defende”!