Projeto de Terceirização é prejudicial aos trabalhadores, dizem economistas
A possibilidade da aprovação do projeto de lei da terceirização tem gerado apreensão a especialistas e entidades que representam trabalhadores, apesar de ser defendida por empregadores. A Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto (PL 4330/04), com emenda que permite a terceirização das atividades-fim das empresas do setor privado, e o texto segue para o Senado, onde deve enfrentar resistência, conforme destacou o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Para o senador, trata-se de “um retrocesso, uma pedalada no direito do trabalhador”. Economistas que estudam o mercado de trabalho, consultados pelo JB, também acreditam que seria prejudicial aos trabalhadores. Eles apontam os efeitos práticos para os diferentes agentes do mercado e a possibilidade de, se entrar em vigor, a medida acabar não ganhando adesão significativa dos empregadores.
Marcelo Weishaupt Proni, professor do Instituto de Economia da Unicamp, destaca que, a princípio, ainda há um longo caminho até que esse projeto seja aprovado efetivamente ou não. De qualquer forna, já é bem claro os efeitos que poderia gerar para os que já são terceirizados, os que ainda não são e para empregadores.
O trabalhador que já é terceirizado, na prática, apesar do discurso de que ele seria o maior beneficiado, ganharia mais segurança em uma proporção bem pequena. Para os não terceirizados, seria prejudicial. Para os empregadores, poderia se mostrar compensatória, como uma forma de reduzir custo. Estes, contudo, aderindo às terceirizações das atividades-fim, por exemplo, aquelas que correspondem justamente às atividades relacionadas à especialidade da empresa, correriam o perigo de perder qualidade na oferta dos serviços e produtos. Mesmo que venha a entrar em vigor, então, acredita Proni, a medida pode não ganhar grande adesão dos empresários.
Para os que já são terceirizados, na prática, mudaria bem pouco, com maior segurança em relação ao recolhimento de FGTS ou pagamento de hora-extra, indica o professor. Os terceirizados já têm uma série de direitos garantidos pela legislação, e o projeto melhoria “um pouquinho” a vida desses trabalhadores.
Os não terceirizados, contudo, que passassem para uma terceirizada, poderiam ser prejudicados, já que a empresa contratada para terceirizar o serviço teria que oferecer um preço em conta para a empresa contratante, e ainda lucrar com o trabalho dessa pessoa. O salário e os benefícios, como plano de saúde e vale-alimentação, não seriam os mesmos que os oferecidos por uma grande ou média empresa.
“Uma coisa é ser trabalhador de uma grande empresa, outra é ser de uma terceirizada, embora fazendo a mesma coisa. Uma coisa é ser PJ, outra é ser funcionário de uma empresa terceirizada. As empresas só têm interesse em terceirizar uma função se for para reduzir custos. Então, para que a empresa terceirizada possa cobrar um preço competitivo, que seja atraente para a empresa que está terceirizando, contratando aquele serviço, vai ter que pagar salário menor com benefícios menores, porque senão ela não tem lucro.”
O momento de os trabalhadores de determinada categoria negociarem um ajuste no piso salarial também seria afetado, já que a capacidade das terceirizadas de oferecer compensações como redução de jornadas e pagamento de hora extra com sindicatos é menor do que o das grandes e médias empresas. “Quando você pulveriza, aumenta o número de empresas com trabalhadores terceirizados, distorce a negociação que acontece dentro da categoria. Outro impacto seria o enfraquecimento da capacidade de negociação dos sindicatos, de representar os trabalhadores.”
Se as empresas aderissem a um movimento de terceirizações, então, seria o “rebaixamento das condições de emprego do país”, acredita Proni. O trabalhadores que perdessem o vínculo com a empresa contratante e fossem contratados por uma terceirizada, certamente, sofreriam algum tipo de prejuízo, haveria alguma precarização desses empregos. Vantagens da medida proposta pela Câmara dos Deputados para os que ainda não são terceirizados, então, não existem, avalia o professor.
Para as empresas, por outro lado, pode ser bom. Em um momento de crise — apesar da medida ainda estar longe de entrar em vigor –, poderia representar corte de uma série de gastos na gestão dessas empresas. “Quando você tem muitos funcionários, tem que ter equipe competente para gerenciar. Então, essa medida pode afetar de forma generalizada os trabalhadores de uma empresa que tenha um padrão de emprego razoável.”
A possibilidade de reduzir custos das empresas pode representar um perigo para elas mesmas, em relação à qualidade. “Nem todas as empresas vão querer fazer isso. Algumas empresas vão querer manter o quadro para manter a qualidade”, acredita Proni. Ele recorda do caso em que, nos anos 1990, foi aprovada uma mudança na legislação que possibilitava contratos por tempo determinado, sob o mote de que era preciso flexibilizar relações de trabalho para gerar empregos. A medida, porém, não vingou.
Outra questão, salienta Proni, é saber se as pessoas se submeteriam ao trabalho em uma terceirizada. Porque os maiores afetados seriam aqueles que conquistaram uma posição melhor no mercado de trabalho. Ou seja, trabalhadores de carteira assinada em pequenas empresas não sentiriam grande diferença nos benefícios oferecidos por uma terceirizada, ao contrário dos que trabalham para grandes e médias empresas.
Fernando de Mattos, professor de Economia da UFF, salienta que a proposta de terceirização aprovada pela Câmara é uma “reversão absurda”, que faria o país retroceder uns 90 anos em relação a direitos trabalhistas. Mencionando artigo de Jânio de Freitas publicado na Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (24), que apontava para a conveniência do apoio das empresas à medida — “terceirização diminui a pouca distribuição de renda havida nos últimos anos e favorece ainda maior concentração”, disse o jornalista –, o professor chamou atenção para a motivação de um movimento pró-terceirização: redução de custos para as empresas, que pode acarretar em redução de salários e de direitos.
Do ponto de vista do trabalhador, explica Mattos, a proposta “não faz o menor sentido”, assim como não o faria também para o mercado de consumo, já que prejudicando a qualidade dos empregos se afeta também o poder de compra e a demanda por produtos e serviços. “As entidades patronais fizeram uma série de investimentos em propagandas, e isso é até natural, eles têm até direito de defender o ponto de vista deles, mas é um ponto de vista deles”, frisou Mattos.
O Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que inclui organizações como a CUT, OAB e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), divulgou uma nota em repúdio ao projeto de terceirização antes da conclusão dos votos na Câmara. “No limite, acaso formalizado esse acordo, teremos empresas sem empregados e trabalhadores sem direitos. E isso sem resolver o problema da competitividade e, muito menos, da desigualdade e da representação sindical.”
Entidades como a Fiesp, a Associação Comercial de São Paulo e a Fecomércio RJ, por outro lado, defendem o projeto. “A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro confia na aprovação do Projeto de Lei n° 4330/2004 no Senado Federal e avalia que a Câmara tomou a melhor decisão sobre o assunto relevante para o país”, disse a federação em nota, destacando que o “país carece de modernização nas relações trabalhistas”, e que a terceirização permitiria às empresas contratar serviços sem as amarras que dificultam a atividade econômica.
Para Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), o projeto é um “avanço”. “Nossa expectativa é de que o Senado mantenha os principais pontos. O projeto é benéfico para os trabalhadores, as empresas e a economia brasileira”, salientou Burti. “Garante os direitos dos trabalhadores terceirizados, que hoje não têm tanta proteção, e dá mais flexibilidade para as empresas”, completou o presidente da ACSP.